Cada Organização tem o RH que merece! (E cada RH… tem a Organização que merece?)

Um conde europeu do século XIX, uma metáfora futebolística e uma reflexão filosófica. O que tudo isso tem a ver com o que merecemos como profissionais de RH?

A Origem da Frase …e da Paráfrase

Acredito que a maioria de nós já ouviu a frase “Cada povo tem o governo que merece” ou uma de suas variações. Aliás, ela se tornou tão famosa, que ganhou versões na boca de Kennedy (“cada sociedade tem a lei que merece”) , George Orwell, pai do Big Brother – o livro (“cada um tem o rosto que merece.. aos 50 anos”) e até do guru de Woodstock (“cada um tem as drogas que merece”).

Sua origem remonta ao longínquo ano de 1811, na ainda mais longínqua Rússia, onde o conde, político, filósofo e provocativo escritor Joseph de Maistre atuava como diplomata. Numa carta a um amigo,  ao se referir às leis liberais propostas pelo czar,  alertava que, por melhores que fossem, elas acabariam por não  vingar. O povo não estava preparado e teria de volta a mão dura do regime. E fechava o raciocínio com “cada povo tem o governo que merece”, ou seja, esse seria seu prêmio (no caso, castigo) por não ser evoluído o suficiente para atuar com autonomia e respeito.

A ideia para este post nasceu do anterior, quando falei sobre a implantação de soluções automatizadas, que deixassem RH mais livre para fazer a diferença na organização. E dizia que, se a empresa não entendesse isso, teria o RH que merecia… No mesmo tom de de Maistre: o castigo das organizações seria um RH operacional e pouco capaz de entregar valor.

Essa frase – nesse tom – me ronda a cabeça há já vários anos. E tudo começou com as minhas primeiras desilusões profissionais. Você nunca esquece o seu primeiro amado projeto  cancelado. A primeira demissão às vésperas do Natal, após um ano de completa dedicação. A primeira crítica, depois de julgar ter tomado a melhor decisão para a sua empresa.

E do caldo dessas mágoas, nasceu, naturalmente, a sensação de que “eles” não sabiam o que estavam perdendo: pois bem, cada organização teria o que merecia, aliás, teria o péssimo RH que merecia, como o povo russo da época de De Maistre teria de volta as péssimas leis autocráticas do czar. Azar deles e ponto final.

E, ao longo do tempo, essa  conclusão ia se confirmando em experiências pessoais e em conversas com executivos e consultores. Áreas de RH desmontadas após investimentos milionários para organizá-las…Profissionais competentíssimos demitidos ao final de realizações estrondosas… Projetos visionários cancelados, por simples falta de interesse da direção… De memória, posso desfiar centenas de casos, onde a miopia da liderança travou incipientes esforços de bem intencionados profissionais de RH.

Resultado? O RH – na verdade, toda a gestão de pessoas dessas organizações –  sempre acabou por fracassar olimpicamente. Aquelas que desmontaram RHs, tiveram que remontá-los; os que demitiram os competentes, hoje sofrem com os mesmos problemas que tinham antes de contratá-los; os que cancelaram projetos, lançaram outros semelhantes na sequência, que fracassaram e, somadas despesas e custos de oportunidade,  geraram mais e mais perdas para a organização…

Mas qual a consequência prática de uma afirmação como essa, de que cada um tem o RH que merece? Por que tanto esforço para prová-la válida? Oras, para mostrar que, em muitíssimos casos, o problema não está no profissional de RH, mas sim na organização.

E, também, para reforçar o papel da liderança no estado de sua gestão de pessoas: não adianta reclamar de como as pessoas se comportam, se estão engajadas, se não são produtivas, que RH não funciona. A culpa é sua, senhor ou senhora CEO e equipe, que não está preparado nem busca a ajuda para melhorar a gestão disso que é “o maior patrimônio da nossa [sua] empresa” (bom, pelo menos é isso que vocês falam).

Reflexões posteriores: será que tudo não passa de despeito?

Mas a vida foi rodando, e com o passar do tempo, retornei ao tema com menos paixão. Perguntei aos meus botões se não estaria sendo refém do mais comezinho despeito (na minha opinião, vitimismo é um traço comum em vários de nós de RH).

Gestão de Desempenho

Comecei a testar a afirmação com gente de fora da área. Minha colega de Marketing, um dia, me desafiou: “cada empresa tem o RH que merece? Sim, mas também o Marketing que merece, e áreas de suporte, como Jurídico, Finanças, Administração, etc. É tudo resultado das escolhas de pessoas concretas (a liderança), que arcam com as consequências dessas mesmas escolhas”. A frase, então, se aplicaria a quaisquer áreas?

Com essa dúvida alojada em minha cabeça, comecei a testar a afirmação em outros campos. E para minha frustração, pareceu-me que ela se aplicaria também a quaisquer atributos resultantes das escolhas de seres autônomos (pessoas, organizações, países, etc)! Ilustrando: uma pessoa escolhe fumar – “cada pessoa tem o pulmão que merece”. Uma empresa trata mal os clientes – “cada empresa tem a reputação que merece”. Uma sociedade é corrupta  – “cada sociedade tem os políticos que merece”. E assim por diante…

Ou seja, minha “sabedoria”, fruto de duras experiências, fora destilada numa frase lapidar, mas ao mesmo tempo inócua e sem valor comprovado! Total frustração.

É tudo verdade!

Mas… algo aqui dentro se revoltava com essas conclusões. Intuitivamente, percebia que, para RH, essa afirmação seria realmente válida. Eu diria até, que especialmente aplicável. A organização mereceria muito mais ter, por exemplo, o castigo de um RH que não funcionasse, que de um Marketing incompetente.

E passei a tentar reconstituir a intuição que me inspirou a parafrasear o tal conde. E para meu alívio, ao final, me dei conta que ela se ajusta tão bem à  nossa realidade quanto a frase que deu origem à série, aquela que fala de o povo merecer o governo que tem. Convido vocês a me acompanharem em meu raciocínio e, depois, dizerem se ficaram convencidos ou não…

Um pouco de filosofia light

Para começar, vamos analisar os conceitos. Seguindo a tradição filosófica do ocidente,  dizemos que alguém merece o prêmio ou o castigo quando escolhe consciente e voluntariamente seus valores, princípios e comportamentos. Quanto mais consciente e voluntariamente atuar um ser inteligente, mais culpado ou merecedor.

Agora, entendamos o que é uma organização. Segundo todos os manuais, organizações são grupos de pessoas com atividades distintas e complementares, que buscam um objetivo comum. Nas pessoas, a fonte do merecimento está assente na inteligência e na vontade; nas organizações, a inteligência e vontade são representados por aquele grupo de pessoas que entendem melhor o contexto da organização e tomam as decisões em nome dela. Ou seja… a liderança. Portanto, se uma organização merece algo, é à liderança, especificamente, que se deve creditar.

Argumento 1: A área de RH é o reflexo da alma da empresa

Ora vejamos. A área de RH é o reflexo mais acabado da alma da empresa. Na verdade, é algo tão íntimo e pessoal da liderança que, quando trocam CEO, normalmente acabam por substituir o Diretor de RH. Assim como o técnico é trocado ao se mudar o presidente do time: cargo de confiança. Isso não acontece com Finanças, Jurídico, Administração ou mesmo Marketing tão frequentemente.

Se RH é reflexo da alma da organização, a organização (a liderança) é “culpada” pelo RH que tem.

Argumento 2: Toda a liderança opina sobre a área de RH

E, mais claro ainda, assim como num time de futebol, onde todos – conselheiros, torcida, jogadores – dão palpite e acreditam entender tudo sobre o tal esporte bretão – e causam as sucessivas mudanças de curso na gestão do time; na área de RH, também todo mundo crê que pode dar seu pitaco – sejam os líderes, o CEO, o pessoal da matriz – e, se a empresa não tem uma convicção firme, acaba por sucumbir aos humores, às opiniões e … ter o RH que merece: sem capacidade de ajudar, sem ferramentas, sem recursos.

Isso não vai acontecer tanto com Marketing, Finanças ou Jurídico. Quem vai querer opinar no trabalho do advogado? Ou quem vai criticar a maneira como o CFO busca financiamento para o caixa da empresa? Podem até tentar, mas as barreiras de entrada são maiores.

Pelo lado positivo, uma empresa com cultura adequada, onde se respeita a autonomia, se promove a criatividade e se recompensa o esforço das pessoas, terá uma gestão de pessoas fluida, leve e dinâmica. A cultura de onde vem? Da empresa, de seus líderes, de seu CEO. O RH? Provavelmente vai será respeitado como uma área de especialidade, que traz sua contribuição única e… dará à empresa o suporte em gestão de pessoas que ela merece.

Ou seja, para RH se aplica mais e melhor esta frase, porque a área é muito permeável à cultura e às opiniões de sua liderança. Portanto, é mais reflexo das escolhas dela que as demais áreas.

Argumento 3: Afinal de contas, cuidar bem das pessoas é algo tão básico, que não dá para simplesmente eximir as organizações de “culpa”

Alguns poderão argumentar que existem áreas na empresa que realmente refletem o espírito ou até a evolução da organização. Por exemplo, atividades de Marketing, como gestão da marca, posicionamento de produto ou mesmo a gestão estratégica da organização, ou a gestão da qualidade. Demandam uma capacidade da liderança em entender conceitos mais avançados, antecipar o futuro, possuir visão sistêmica.

Mas é a área de RH – ou as práticas de gestão de pessoas que demandam  uma função de RH condizente – é que realmente mostra a alma da organização. Eu diria que cada organização tem Marketing, Qualidade, Gestão estratégica, que consegue: que consegue entender, que consegue lidar, etc. Enquanto, tem a gestão de pessoas que merece: por ser o tema humano um dos primeiros que apareceram nas organizações. Por ser a questão da gestão de pessoas, aquela que mais perplexidade tem trazido aos gestores.

Se as empresas têm tanta aplicação em resolver e organizar e disciplinar e estruturar a gestão financeira, ou de vendas, porque num tema tão crítico, tão debatido e tão central como no das pessoas existem organizações que mal sabem aplicar conceitos tão básicos como reconhecimento, gestão de desempenho, etc? Na minha cabeça, é o mesmo grau de culpabilidade – se me permitem chamar dessa forma – de um país como o Brasil, cuja educação é risível, porque prefere destinar seus recursos e energias para coisas que possam gerar caixa 2 para projetos de manutenção no poder (pessoais, de partidos, etc).

Resumindo, dar importância para pessoas, ser capaz de entender a centralidade do fator humano nas organizações é mais uma questão de consciência e escolha do que de capacidade, nos tempos que correm.

OK. Convenci (ou não), mas e as consequências?

E daí? O que fazemos com isso, além de nós de RH termos uma alegria íntima porque “os maus” seriam castigados?

Primeiro, os maus não são castigados obrigatoriamente (ao menos não nesta vida). Segundo, que toda essa reflexão tem outra intenção: dar a entender aos líderes que devem assumir sua responsabilidade.

Sabemos que educação é importante para um país. Por que ela não avança por aqui? Em minha opinião, ou porque os líderes da nação não sabem dar valor por não terem essa educação, ou por falta de vontade política, ou os dois.

Pois bem, numa organização, ainda mais nos tempos que correm, não se pode mais alegar desconhecimento da importância do fator humano. Se existe carência aí, os líderes devem procurar formação, aconselhamento, as melhores práticas. Ilustrem sua ignorância.

Também nas empresas, não é possível ter “falta de vontade política”. Sem boas práticas de gestão de pessoas – e áreas de RH fortes e competentes – a empresa coloca em risco seus resultados. O que falta, muitas vezes, é o foco. A prioridade está no que é fácil de se gerenciar, no que é tangível, tocável, lançável no balanço. Por outro lado, aquelas coisinhas complicadas e sem lógica – “pessoas” – a gente deixa para depois, ou para a psicóloga (a a mocinha do RH…).

Por fim, estas reflexões também passam uma mensagem a nós, profissionais de RH. Cada organização tem o RH que merece. Mas, e nós? Será que também não temos uma organização que merecemos?

No próximo post, vou mostrar que, apesar de toda essa história ter me tirado um tanto de peso dos ombros, também me trouxe um questionamento sobre o quanto eu me esforcei por buscar a organização que eu queria para mim.

Essas são minhas impressões sobre o tema – pelo menos até agora. Ficaria feliz de ouvir suas ideias e experiências para que possamos evoluir juntos.

Por fim, se o RH não fosse a área à qual  melhor se aplica a afirmação, qual área poderia ser? Marketing? Finanças, Operações, Vendas? Ora, as áreas chamadas de linha (Operações, Comercial), na verdade não são escolhas, mas sim reflexo das competências essenciais da organização. Mal comparando, assim como ser bons futebolistas, trabalhadores, ou disciplinados são traços culturais, competências centrais de algumas nacionalidades.

As demais áreas de apoio, são muitas vezes reflexos de exigências ou normas (Jurídico, Administração de Pessoal, Contabilidade, Qualidade, Segurança no Trabalho). Para outras, aplica-se melhor a expressão “cada organização tem… que consegue”.

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